Imagine que você tem asas e não pode voar além de quatro metros quadrados. Que sua visão apurada não enxerga o horizonte pois você está confinado num biombo de ferro protegido por lona. Que a beleza do seu canto não pode ser ouvida rompendo o silêncio das manhãs e finais de tarde pois não tem a vastidão da floresta e da mata.

É esta a realidade dos animais silvestres recolhidos à sede do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama), em Natal. No Centro de Triagem (Cetas) do Instituto, cerca de 300 animais silvestres vivem enjaulados, como se pagassem uma sentença por um crime cometido por terceiros. Muitos deles foram recolhidos em fiscalizações do Pelotão Ambiental em feiras livres e conduzidos à sede do Instituto com a possibilidade de serem reconduzidos à natureza.

A comercialização de espécies exóticas movimenta até R$ 1 bilhão de dólares no país, segundo dados da WWF (Fundo Mundial da Natureza, em tradução livre). A espécie “campeã” em compra e venda no Brasil e exterior, é o papagaio. Símbolo da nação tupiniquim.



A beleza dos animais é independente de onde eles estejam. No habitat natural, porém, eles compõem o cenário que faz da fauna brasileira uma das mais ricas do mundo em variedade de espécies. Em cativeiro, eles são mutilados, se tornam agressivos e dependentes de seus criadores. Por mais domésticos que aparentem ser, araras, jabutis, papagaios e macacos-prego são animais silvestres. E como a própria denominação remete ao ambiente, deveriam estar nas selvas.

As consequências da criação e comércio ilegal de animais selváticos vão além do que é sabido pela população: multas e apreensões a quem for flagrado cometendo estes crimes. “O pessoal pega um macaco recém-nascido, por exemplo. Ele é bonitinho, engraçado. Mas depois, quando cresce, se torna agressivo e é entregue ao Ibama pelos donos”, esclareceu a analista ambiental do Instituto, Fabíola Rufino. De acordo com a analista, o processo de reintrodução destes animais na natureza é muito complexo e lento.

Após alguns anos convivendo com humanos e com facilidade de acesso à comida, sem exercitar o que é inerente às espécies silvestres – caça, por exemplo – os bichos, quando enclausurados, se tornam reféns e submissos às ações do homem. Para devolvê-los à natureza, eles precisam ser reabilitados com técnicas de voo, convívio com aves da mesma espécie e substituição da comida oferecida pelos ex-donos pelas naturais, encontradas no ambiente florestal.

Para manter os animais bem alimentados e medicados, os técnicos do Ibama contam com poucos recursos. Em 2010, foram gastos cerca de R$ 4 mil por mês somente com a alimentação dos bichos. Neste ano, Fabíola Rufino afirmou que o mesmo patamar de custos está sendo seguido. Uma das maiores dificuldades em manter os animais no Cetas é justamente a quantidade de frutas consumidas.

O Instituto não pode receber doações de produtores de hortifrutigranjeiros ou empresas privadas, por se tratar de um órgão fiscalizador. Tudo tem que ser comprado com o orçamento disponível pela União. É consumida cerca de 1,2 tonelada de sementes de girassol por ano. Um outro fator impeditivo da liberação dos animais na natureza, é a falta de ambientes naturais e públicos seguros.

De acordo com Fabíola Rufino, os caçadores e comerciantes chegam a seguir os veículos do Ibama para identificarem em quais áreas os animais são soltos para recapturá-los e iniciarem, mais uma vez, o círculo vicioso da comercialização. “Nós precisamos de ajuda de proprietários rurais com uma visão ambientalista. É fundamental para o projeto de reintrodução destes animais no habitat natural, termos a certeza de que os bichos estarão num ambiente seguro”.
Somente quatro dos 303 animais que ocupam as “celas” do Cetas hoje, têm um destino certo. Duas araras vermelhas e duas tricolores viajarão em breve para o Sul do país. Como elas são espécies raras, os zoológicos estão sempre à procura. Enquanto isso, como se formassem uma família, aves, macacos, jabutis e répteis, visualizam através das grades de ferro, a natureza do lado de fora. Ambiente ao qual um dia eles pertenceram. Para onde não sabem se retornarão.

Importante é não estimular comércio

Os animais recolhidos não estão disponíveis para adoção voluntária. Ou seja, para aqueles que desejam criá-los em cativeiro. O apelo da analista ambiental Fabíola Rufino é de que as pessoas não contribuam para o comércio ilegal dos animais silvestres.

Os técnicos realizam solturas periódicas em todo o Rio Grande do Norte e encaminham alguns animais para outros estados. Os custos para operações como esta não são baixos. O bicho deve ser conduzido numa caixa específica e o tempo de voo, o menor possível. Todas as despesas são pagas pelo Ibama.

O artigo 24 da Lei nº 6.514/2008 (Lei dos Crimes Ambientais), afirma que matar, perseguir, caçar, apanhar, coletar ou utilizar espécimes sem autorização de autoridade competentes pode resultar em multas de até R$ 500 mil e na prisão dos envolvidos.

No pátio do Ibama, a pilha de gaiolas apreendidas serve como parâmetro para se imaginar a quantidade de animais apreendidos e que nem sempre chegam ao Cetas com vida. Segundo estatísticas do WWF, de cada dez animais contrabandeados, nove morrem antes de chegarem ao destino final.

As diligências realizadas pelo Pelotão Ambiental em feiras livres e residências ocorrem, nas maioria dos casos, após denúncias. Quando os envolvidos notam a presença da polícia, abandonam as gaiolas e fogem. Nem sempre conseguem ser capturados para responder ao crime praticado. Os que entregam os animais voluntariamente na sede do Instituto assinam um termo de entrega voluntária e não pagam multa ou são enquadrados na Lei dos Crimes Ambientais.

Em cativeiro animais sofrem mutilações

A sede do Ibama em Natal dispõe de três “alojamentos” para os animais recolhidos. Os espaços assemelham-se a celas. Os bichos com ferimentos recebem atendimento veterinário e passam por procedimentos médicos de acordo com a necessidade. São doze jaulas no prédio principal da Cetas, onde estão a maioria dos animais, e mais dois em locais distintos.

Os técnicos colocam juntos aqueles bichos mais sadios e que já não brigam mais entre si. Três macacos, dois papagaios e um concriz estavam em gaiolas separadas. Os três primeiros por serem agressivos e os demais por apresentarem fragilidade e impossibilidade de dividir espaço com as outras aves. Uma das maiores dificuldades na reintrodução dos bichos na natureza, de acordo com Fabíola Rufino, são as mutações sofridas pelos animais.

“Os donos cortam as asas, dão comida humana no lugar de ração animal. É um crime contra a natureza”, afirma. A maioria dos bichos não tem mais condições de voltar para o ambiente natural por terem perdido as características de silvestres. Além disso, os zoológicos e espaços acolhedores cadastrados no Ibama já não suportam mais a quantidade de animais oferecidos. Em Natal, não há nenhum local que possa receber os bichos, como um zoológico, por exemplo.

A quantidade de passarinhos recolhidos é impressionante. Visualizar tantos animais de beleza ímpar reunidos dentro de jaulas é entristecedor. Além disso, o barulho originado com o cantarolar dos bichos é ensurdecedor. Se a sede do Ibama tivesse residências como vizinhas, a situação seria complicada. São estes os problemas causados pela criação de animais em cativeiro e pelo comércio ilegal. O custo final, quem paga, é o indefeso animal.

Fonte: Tribuna do Norte