Cresce a população de gorilas de montanha em Uganda
sábado, junho 19, 2010
Postado por Unknown
Estou cercado por todo tipo de verdes. Raízes tentam agarrar meus  pés; cipós e trepadeiras se enroscam em meus braços. As plantas parecem  impedir que eu entre em seu território. “Esse é um dos piores trechos da  caminhada”, diz Godfrey Binayisa, ao ouvir meus sussurros de aflição. O  guarda-parque continua a abrir caminho com o facão, desvendando a  floresta. “Só falta meia hora para chegar ao destino.” Além da luta  contra a vegetação, agora tenho outro desafio: a trilha torna-se mais  íngreme. Checo o altímetro e já estamos a 2.200 metros de altitude, 350  metros acima do lugar de onde partimos. O caminho também está mais  escorregadio. Agarro uma raiz que não deveria estar solta, meu sapato  resvala e minha calça e minhas mãos tomam um novo banho de lama.
Mas por que enfrentar essa odisseia tropical? O nome do local explica  a aventura. Estamos na Floresta Impenetrável Bwindi. Sim, o nome  oficial inclui o adjetivo impenetrável. E mais, Bwindi, no idioma da  tribo Bakiga, significa tenebroso. Essa selva fechada e escura guarda um  dos principais tesouros de Uganda: cerca de metade da população de  gorilas de montanha do mundo. É um parque nacional desde 1992 e  considerado como Patrimônio Mundial desde 1994.
 
Completamos 2:30 horas de esforço quando, do meio do mato, surgem três  vultos quase tão tenebrosos como a floresta. Um deles carrega um rifle  automático AK-47. Quando vejo os outros dois homens, fico mais  tranquilo: suas armas são um rádio e um GPS. Observando meu susto,  Binayisa explica que eles trabalham para o parque e que saíram em busca  do grupo de gorilas duas horas antes de nossa partida. Como de costume,  eles foram ao local onde os animais passaram a noite anterior. Os  primatas acordaram, fizeram sua primeira refeição e começaram a se  movimentar em busca de outros alimentos – sua dieta vegetariana é  composta por mais de 60 tipos de plantas e um adulto pode comer 20  quilos de folhas por dia. Os três pares de olhos seguiram o grupo e os  guardas sabem agora exatamente onde os animais estão. Estamos prontos  para vê-los.
Binayisa lembra as regras do jogo. Manter uma distância mínima de  sete metros dos animais. Não fotografar com flash. Não espirrar ou  tossir na direção dos primatas para que eles não sejam contaminados. Se  algum gorila vier em nossa direção, não olhar diretamente nos olhos  dele, baixar a cabeça e seguir as instruções dos guarda-parques.  “Teremos apenas uma hora com eles”, afirma Binayisa. Deixamos a trilha e  adentramos o mato impenetrável. Depois de outra caminhada exaustiva,  nossa recompensa está prestes a acontecer. O guarda que lidera a fila  para, ergue a cabeça e aponta para uma árvore. A uns dez metros de  altura, bem encaixado entre dois galhos, um jovem gorila retira  cuidadosamente tufos de musgo da casca da árvore e os mete na boca.  Começa o frenesi fotográfico: apontamos nossas lentes em direção ao  primata e disparamos dezenas de imagens em poucos segundos. Mas nossa  presença – e até mesmo a metralhadora de cliques – não interfere na sua  atividade principal: comer. Mesmo consciente de nossa presença, o  animal, em nenhum momento, olha em nossa direção. É como se não  existíssemos. “Os gorilas do grupo Nshongi foram habituados aos seres  humanos”, diz Binayisa. “É um processo que demora dois anos, com a  visita diária de guarda-parques ao mesmo grupo. Uma vez habituados, eles  perdem o medo, já não nos consideram como um perigo e permitem ser  observados.” No parque nacional Bwindi, 123 gorilas de montanhas foram  habituados à presença humana. Estão divididos em sete grupos – seis  deles podem ser visitados por turistas e um está reservado para os  pesquisadores. O grupo Nshongi foi o último a ser habituado e passou a  receber um máximo de oito visitantes por dia a partir de setembro de  2009.
Binayisa faz um sinal para prosseguir. A poucos metros, encontramos  um dos machos adultos, o chamado silver back, dorso prateado. Ele está  sentado no chão, dentro do mato e come passivamente suas folhas  preferidas. Em Bwindi, o grupo Nshongi é o que possui o maior número de  indivíduos – 34 animais de idades variadas. Ao contrário dos outros, o  clã contem três machos adultos. “Os três dorsos prateados vivem em  harmonia e sem conflitos, pois os outros dois reconhecem a liderança do  mais velho”, diz um dos guardas que segue os animais há quatro anos. “É  também o grupo com a maior quantidade de bebês. As oito fêmeas cuidam de  oito filhotes com menos de três anos.” Esses números são muito  positivos. Em 2006, a população de Nshongi era de 26 animais. Portanto,  em quatro anos (o período reprodutivo de uma fêmea gorila), o  crescimento foi de 30%. Binayisa explica que essa taxa não pode ser  extrapolada para outros grupos, pois depende do número de fêmeas de cada  bando. “Mas uma coisa é certa: a população de gorilas de montanhas em  Uganda está protegida e só tem crescido nas últimas décadas.” De fato, o  primeiro censo em 1987 computou 270 animais em Bwindi. Em 2003, o  número passou para 320 e, em 2006, para 340. O censo de 2010 deverá  revelar um número entre 360 e 370 indivíduos. Como a atração turística  principal em Uganda tornou-se a observação dos gorilas – cada um dos 10  mil visitantes anuais paga a soma de 500 dólares americanos (R$ 900) –  os cofres da Agência de Vida Selvagem de Uganda (Uganda Wildlife  Authority) recebem alguns milhões de dólares por ano e parte dessa verba  é destinada à conservação. De cada visita, nove dólares vão direto às  comunidades rurais que rodeiam o parque nacional.
Foi a impenetrabilidade de Bwindi que salvou esses primatas da  extinção. Durante os anos 70 do ditador Idi Amin e até 1986, o país  viveu os horrores de uma guerra civil e as milícias dizimaram grande  parte dos animais selvagens que viviam nos parques nacionais – para  comer a carne ou vender os chifres de rinocerontes ou as presas de  elefantes. O resultado dessa catástrofe social e ambiental é que uma  espécie desapareceu do mapa de Uganda: o último rinoceronte foi  observado em 1982. Hoje, esforços conservacionistas trazem de volta ao  país um dos Big Five – os cinco animais emblemáticos africanos:  elefante, búfalo, leão, leopardo e rinoceronte. Graças ao apoio do Banco  Mundial e da Comunidade Europeia, quatro rinocerontes brancos (ou  rinocerontes de lábios quadrados, pois eles não são de cor branca) foram  adquiridos no Quênia (por 15 mil dólares americanos cada) e, em 2005,  transferidos para a reserva Ziwa, no centro de Uganda. No ano seguinte,  um casal foi doado pelo parque Reino Animal da Disney. “Uganda ficou  mais de 20 anos sem um dos principais mamíferos africanos. Dentro de 15  anos, quando a população em Ziwa crescer e os parques estiverem seguros,  os rinocerontes voltarão a povoar os parques de Uganda”, diz Angela  Genade, diretora executiva do santuário Ziwa. Os primeiros resultados  são alentadores e as três fêmeas já deram cria a três filhotes. Obama  veio ao mundo em junho de 2009 e foi o primeiro rinoceronte nascido em  território nacional, depois de quase três décadas de intervalo. A  segunda cria, Augusto, nasceu de Bella em outubro de 2009. Os animais  são monitorados 24 horas por dia, sete dias por semana. “Ziwa não pode  permitir que nenhum de seus nove animais seja caçado”, diz Richard  Ogenchan, antigo policial que se tornou guarda-parque. “Orgulho-me de  proteger essa espécie tão rara. E, graças a esse trabalho, meus três  filhos e meus dois sobrinhos vão à escola.”
Os ugandenses consideram que o rio Nilo Branco tem início no lago  Vitória. A massa de água que sai do maior lago africano (e segundo maior  do mundo) é impressionante. Para os especialistas em esporte radical, o  segmento inicial do Nilo Branco é também uma mina de ouro. “Esse trecho  contem dezenas de corredeiras de nível 1 a 6 e oferece um dos melhores  raftings na África”, afirma Gavin Fahey, neo-zelandês, gerente das  atividades de Adrift. “Ao contrário de outros rios, o Nilo aqui  apresenta poucos perigos. Não há rochas traiçoeiras e o máximo que  acontece é você ficar embaixo d’água durante alguns segundos.” Meu filho  Mikael e eu decidimos aceitar o desafio. Depois das recomendações de  segurança, entramos no bote inflável com cinco jovens voluntários  americanos. Logo estamos frente à corredeira Bujagali, a segunda mais  difícil do trajeto, de classe 5. O instrutor explica qual deve ser a  estratégia e imergimos na água branca espumosa. Todos saímos  encharcados, mas o bote consegue se manter a prumo. Uma rápida contagem  confirma que não perdemos nenhum passageiro. Depois de algumas  corredeiras de nível 3, intercaladas por banhos em trechos calmos do  rio, temos nosso último enfrentamento. O nome da queda ilustra sua  força: Silver Back, a alcunha do gorila macho dominante. As ondas  laterais assustam, mas não há espaço para meia volta. Levados pela  correnteza, o bote mergulha no Nilo borbulhante. Entre golfadas de água,  percebo que Mikael já não está a bordo. Poucos segundos depois, uma  onda gigantesca aparece ao meu lado e sua rajada me arremessa para fora  do barco. Fico muitos segundos – e eles custam a passar – submergido,  esperando apenas que a correnteza me leve a um lugar mais calmo e que  não me puxe para baixo. Finalmente, consigo levantar a cabeça, abrir a  boca e, ufa, respirar. Pelo menos não tenho sede: acabo de beber dois  bons goles de água. Enquanto isso, Mikael, que caiu logo no início do  Silver Back, passa por baixo do bote e aparece do outro lado da cascata.  Para quem queria uma experiência cheia de adrenalina, o pedido foi  atendido! Infelizmente, Silver Back tem seus dias contados. A  construtora italiana Salini – a mesma que edifica uma barragem no rio  Omo, na Etiópia, causando controvérsias sócio-ambientais – também ergue  uma hidrelétrica no Nilo. Todas as corredeiras que passamos deixarão de  existir em apenas um ano, pois a área será inundada. “Já desenhamos os  novos percursos, depois da barragem. Não vamos parar de fazer rafting”,  afirma Gavin, com otimismo.
Centenas de quilômetros a frente, o Nilo torna-se, definitivamente,  branco de espuma. O rio é forçado a passar por uma garganta de apenas  seis metros de largura. A quantidade de água pressionada em um espaço  tão estreito cria a cascata Murchison, de 45 metros de altura,  considerada uma das mais potentes do mundo. A cada segundo, mais de 300  mil litros explodem entre as rochas, criando uma bruma constante. Desde  que o explorador britânico Samuel Baker a identificou em 1863, a cascata  Murchison passou a simbolizar o inexplorado do continente africano.  Líderes mundiais, como Winston Churchill e o presidente americano  Theodore Roosevelt, visitaram o local há um século. Hollywood tornou as  cascatas famosas quando, em 1951, trouxe Humphrey Bogart e Katherine  Hepburn para filmar o clássico “A Rainha Africana”. Mas as décadas de  terror de 70 e 80 devastaram a biodiversidade ao redor de Murchison. Dos  15 mil elefantes que existiam antes da guerra, poucas dúzias  conseguiram sobreviver ao massacre. Duas décadas depois, o maior parque  nacional de Uganda floresce novamente e é um dos melhores exemplos de  safári na região equatorial. Embora aqui os animais possam ser avistados  com menos facilidade do que nas savanas abertas do Quênia e da  Tanzânia, a vegetação exuberante valoriza cada encontro fortuito. O  parque Murchison também acolhe uma espécie nativa, o cob de Uganda: o  antílope está presente até no escudo nacional.
Ao sul do parque nacional Murchison, visitamos a floresta Budongo.  Esse pedaço virgem de mata tropical abriga cerca de 600 chimpanzés. Um  grupo de 40 primatas foi habituado à presença humana e visitantes podem  acompanhar as brincadeiras dos chimpanzés diariamente. Bem mais  barulhentos e movimentados que os gorilas, os chimpanzés criam um  espetáculo particular. As diversas vocalizações enchem a floresta de  vida e as correrias de galho em galho, por cima de nossas cabeças,  produzem um show espontâneo que existe em raras reservas do planeta.
Mesmo se Uganda ainda tem alguns problemas sérios para resolver – a  corrupção é um deles – o país tem atraído investimentos externos nas  últimas duas décadas, graças a uma razoável estabilidade política. Os  horrores da ditadura e da guerra civil fazem parte do passado e o  governo busca mostrar uma nova imagem, a de um país hospitaleiro e  repleto de tesouros naturais. Uganda pode ainda não figurar nos  principais itinerários de turismo de natureza, mas seu portfólio de  atividades coloca o país como um dos mais ricos da África do Leste. Além  das belezas do Nilo e dos tradicionais Big Five, o país oferece a  experiência espetacular e inesquecível de estar frente a frente com os  gorilas, uma espécie criticamente ameaçada, mas que volta hoje a povoar  as florestas impenetráveis de Uganda.








 

 
